quinta-feira, 4 de maio de 2017

COMISSÃO ESPECIAL APROVA TEXTO-BASE DA PREVIDÊNCIA


A Comissão Especial da Reforma da Previdência na Câmara aprovou, há pouco, o parecer do deputado Arthur Oliveira Maia (PPS-BA) com mudanças nas regras da aposentadoria. Antes que o projeto siga para o plenário da Casa, resta ainda a análise dos destaques.
O parecer recebeu 23 votos favoráveis e 14 contrários. O resultado foi atingido com folga, já que, para ser aprovado, o relatório precisava de pelo menos 19 dos 37 votos dos deputados da comissão.
O texto estabelece a idade mínima de 65 anos para homens e de 62 anos para mulheres para aposentadoria pelo INSS, além exigir pelo menos 25 anos de tempo de contribuição. A proposta cria ainda uma regra de transição para quem já está no mercado de trabalho (veja mais regras ao fim da reportagem).
Depois que a votação for concluída na comissão, o texto seguirá para o plenário principal da Casa. Por se tratar de uma proposta de alteração na Constituição, precisará de pelo menos 308 votos, em dois turnos de votação.
O relator fez mudanças de última hora no parecer para incluir os policiais legislativos federais na mesma regra dos policiais federais, que poderão se aposentar com uma idade mínima menor, de 55 anos.
Para agentes penitenciários, Maia chegou a incluir a previsão de que a idade mínima de aposentadoria poderia ser reduzida até 55 anos, desde que fosse aprovada uma lei complementar no Congresso que estabelecesse essa alteração.
Diante da resistência de deputados, contrariados com a invasão do Ministério da Justiça na terça-feira (2) por agentes penitenciários, o relator retirou a categoria do grupo daqueles que terão aposentadoria especial.
REGRAS
Entenda as regras aprovadas na comissão especial, em comparação com o que foi inicialmente proposto pelo governo:
IDADE MÍNIMA
Como era a proposta: 65 anos para homens e mulheres, com 25 anos de contribuição.
Como ficou: 62 anos para mulheres e 65 anos para homens, com 25 anos de contribuição.
BENEFÍCIO INTEGRAL
Como era: 49 anos de contribuição para atingir 100%, com valor estabelecido por 51% das médias dos salários, mais 1% por ano de contribuição.
Como ficou: 40 anos de contribuição para atingir 100%. O valor da aposentadoria corresponderá 70% do valor dos salários do trabalhador, acrescidos de 1,5% para cada ano que superar 25 anos de contribuição, 2% para o que passar de 30 anos e 2,5% para o que superar 35 anos.
REGRA DE TRANSIÇÃO
Como era: a partir de 45 anos para mulheres e de 50 anos para homens, com 50% de pedágio sobre o que faltar para cumprir 35 anos de contribuição para os homens e 30 anos para as mulheres.
Como ficou: idade mínima começará em 53 anos para mulheres e 55 anos para homens, sendo elevada em um ano a cada dois anos. Haverá um pedágio de 30% sobre o tempo de contribuição que faltar para atingir 35 anos (homens) e 30 anos (mulheres).
APOSENTADORIA RURAL
Como era: 65 anos de idade mínima, com 25 anos de contribuição.
Como ficou: idade mínima de 57 anos para mulheres e de 60 anos para homens, com mínimo de 15 anos de contribuição
BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (BPC)
Como era: desvinculação do salário mínimo e idade mínima de 70 anos.
Como ficou: mantida vinculação do salário mínimo, com idade mínima começando em 65 anos, subindo gradativamente até atingir 68 anos em 2020
PENSÕES
Como era: desvinculação do salário mínimo e impossibilidade de acumulação de aposentadoria e pensão.
Como ficou: mantida vinculação ao salário mínimo, com possibilidade de acumular aposentadoria e pensão, com o limite de até dois salários mínimos.
SERVIDORES PÚBLICOS
Como era: idade mínima de 65 anos e 25 anos de contribuição.
Como ficou: idade mínima de 62 anos para mulheres e de 65 anos para homens.
PROFESSORES
Como era: idade mínima de 65 anos, com 25 anos de contribuição
Como ficou: idade mínima fixada em 60 anos, com 25 anos de contribuição
POLICIAIS FEDERAIS E POLICIAIS LEGISLATIVOS FEDERAIS
Como era: idade mínima de 65 anos, com 25 anos de contribuição.
Como ficou: idade mínima de 55 anos. Para homens, exigência de 30 anos de contribuição, sendo 25 em atividade policial. Para mulheres, exigência de 25 anos de contribuição, sendo 20 em atividade policial.
PARLAMENTARES
Como era: passariam a ser vinculados ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), cabendo à União, estados e municípios definirem regras de transição.
Como ficou: passam a ser vinculados ao RGPS, mas com transição diferente para o parlamentar federal. Nesses casos a aposentadoria será, inicialmente, aos 60 anos, subindo a partir de 2020 até o limite de 65 anos para homes e 62 anos para mulheres, com 35 anos de contribuição. Caberá a estados e municípios definirem regras de transição de seus respectivos parlamentares.(Fonte: G1).




quarta-feira, 3 de maio de 2017

BELCHIOR, ALTAMIR e um tal de E-MAIL...



Por Altamir Pinheiro

Já diz o poeta que, matamos o tempo e o tempo nos enterra. POIS BEM!!! Todos nós temos nossas máquinas do tempo. Algumas nos levam pra trás, são chamadas de memórias. Já há outras que nos levam para frente é o que podemos chamar de, tempos que vivi, mas continuam presentes... Corria o ano e só Deus sabe qual, e estava eu no Terraço  Churrascaria de Garanhuns-PE assistindo ao show de Belchior. Naquele local, com pouco mais de 200 pessoas, ESSE GÊNIO parecia um cantor comum diante de tão poucas pessoas...

Ao término do show, me dirigi ao seu camarim e, com anuências dele e do colunista social Saulo Paes que o acompanhava lhe dando guarida, adentrei no ambiente e ele estava jantando ou bebericando vinho tinto com peixe assado. Ao me apresentar como colunista de um jornal local ele sorriu pra mim, convidou-me a sentar à mesa para saborear o vinho  e peixe, agradeci, esperei terminar para entrevistá-lo.

Entreguei a um dos meus ídolos musicais de todos os tempos um papelote, datilografado (isso mesmo, datilografado!!!),  com cinco perguntas. Ele as leu, quando percebi que na última ele franziu a testa e, indagou-me: Como você sabe disso? Quem lhe contou?!?!?! Respondi-lhe: sou seu fã e tenho muitas coisas suas guardadas numa caixa de papelão em um quartinho de minha casa.

Laconicamente, me falou!!! Colunista, envie suas perguntas por E-MAIL que as responderei, aqui não vou me pronunciar  porque pode haver deturpação do que eu falar, aliás, já sou vítima disso. Mande-as por E-MAIL!!! Daí, perguntei: ENVIAR PRA QUEM?!?!?!  Ele respondeu, pelo computador, entendeu?. Agradeci, sai de fininho e a entrevista não saiu. Naquele momento, para mim, a INTERNET estava engatinhando.


terça-feira, 2 de maio de 2017

BELCHIOR FEZ UM ESFORÇO IMENSO PARA SER O DIRETOR, ESTRELA E PROTAGONISTA DE SEU PRÓPRIO FILME.


Paulo Moreira Leite

Em 1983, durante um depoimento de 50 minutos ao extinto Vox Populi, na TV Cultura, uma espectadora perguntou a Antonio Belchior qual a importância do sucesso profissional em sua vida. "SUCESSO É BRILHANTE, É BONITO," disse, antes de acrescentar: "A PUBLICIDADE DE MEU  NOME INTERESSA POUCO. O QUE ME INTERESSA É A GLÓRIA, O RECONHECIMENTO DE TER FEITO UMA COISA QUE, COMO ARTISTA E COMO CIDADÃO, JULGUEI SIGNIFICATIVA DE FAZER.".

Morto neste domingo, aos 70 anos de idade, a existência reclusa de Belchior nos últimos anos de vida  alimentou sérias dúvidas sobre a permanência de seu nome como garantia de vendas num mercado musical cada vez mais dominado por esquemas comerciais pesados. Não há dúvida, porém, de que alcançou a glória – no sentido mais nobre que essa palavra possui – como demonstram as homenagens recebidas, muito além da hipocrisia quase sempre obrigatória nessas ocasiões.

A CULTURA BRASILEIRA TEM UMA DÍVIDA IMENSA com a coerência de Belchior e sua capacidade para apresentar as próprias ideias de forma atraente e compreensível. Era porta-voz de um pensamento relativamente raro no país – libertário no sentido anarquista da palavra, de rejeição radical a toda forma de opressão e resistência a todo tipo de autoridade, mesmo consentida. Na música "Como o Diabo Gosta" chegou a escrever ("NUNCA FAZER O QUE O MESTRE MANDAR, SEMPRE DESOBEDECER") afirmando uma noção que iria repetir outras vezes.

Poeta que empregava a música como um suporte para versos que sempre foram a prioridade assumida de suas canções, construiu uma obra sofisticada e literariamente complexa. Engajado em diversas campanhas democráticas, mantinha o equilíbrio. Sem nunca ter sido panfletário, jamais escondeu uma escolha política clara entre as opções enfrentadas pela história do país ao longo dos últimos 50 anos, condição que foi bem traduzida por pichações surgidas nos muros de grandes cidades brasileiras após sua morte:  "Fora Temer. Fica Belchior."

Seminarista na adolescência, tinha um bom conhecimento de latim, o que lhe permitia um manejo erudito da língua portuguesa. Acumulou uma cultura literária acima da média, inclusive de autores do período romântico, brasileiros e portugueses, além de clássicos franceses. Também era um leitor frequente da Bíblia e de obras religiosas, em geral. Admirador de Antonio Conselheiro, o beato que liderou a revolta de Canudos no final do século XIX, exibia um traço místico no comportamento, fator que boa parte dos amigos mais antigos associam ao desaparecimento – sem nenhuma explicação plausível até aqui -- ocorrido na última década.  

O arquiteto e compositor Fausto Nilo, um dos primeiros amigos que Belchior fez em Fortaleza depois que a família saiu de Sobral, no interior do Ceará, para se estabelecer na capital cearense, recorda um episódio significativo. Aluno do primeiro ano do curso científico, de um dia para o outro Belchior sumiu da vista de todos por um longo período sem mandar notícias. "DE REPENTE, QUANDO EU ESTAVA ANDANDO PELA CIDADE, ELE BATEU NAS MINHAS COSTAS PARA CONTAR O QUE ESTAVA FAZENDO," contou Fausto Nilo. "Vestia trajes de noviço franciscano e, antes de se despedir, me deu conselhos para seguir na vida."

Estudante de Medicina, que frequentou até o quarto ano, Belchior considerava-se um herdeiro leal das ideias de 1968, o ano que transformou corações e mentes de sua geração. "Ele nunca foi militante mas frequentava o movimento estudantil," recorda Fausto Nilo, referindo-se a um universo político que incluiu lutas políticas importantes da juventude no mundo inteiro – inclusive no Brasil sob a ditadura militar – e mudanças de comportamento em vários níveis da vida cotidiana.

José Genoíno, a principal liderança entre os estudantes da Universidade Federal do Ceará, teve um percurso político comum a vários colegas do país inteiro.  Estudante de Direito, quadro clandestino do PC do B, participou da guerrilha do Araguaia. Saiu de lá para a tortura e cinco anos de prisão. Ao deixar a cadeia, participou da fundação do Partido dos Trabalhadores. Em 1998, quando Genoíno disputava o terceiro mandato como parlamentar, Belchior participou de um show em benefício de sua campanha.
O sucesso de determinadas músicas chegou a tal ponto que ele só precisava pronunciar a primeira estrofe do primeiro verso -- deixando que o público cantasse até o final, sem erro. "Só preciso cantar 'Sou apenas um rapaz latino-americano'. Depois o publico faz o resto," costumava contar aos amigos, divertido. Nas canções de grande empatia, o bis não era suficiente. Precisava cantar três vezes.  

Mesmo mantendo um convívio regular e caloroso com os amigos da faculdade, seu caminho pela política seguiu um roteiro próprio. Em 1976, ano em que a violência da ditadura produziu a morte do operário Manoel Fiel Filho, em janeiro, e a Chacina da Lapa, em dezembro, que contabilizou três execuções no local, além de outros cinco casos de tortura, Belchior escreveu "COMO NOSSOS PAIS," obra prima com mensagens para o conjunto do país, inclusive para si próprio.

Sublinhando o valor supremo da vida humana num sistema onde massacres eram parte da paisagem, diz que "VIVER É MELHOR DO QUE SONHAR" e reconhece que "QUALQUER CANTO É MENOR DO QUE A VIDA DE QUALQUER PESSOA."

Num país onde "HÁ PERIGO NA ESQUINA", "ELES VENCERAM E O SINAL ESTÁ FECHADO PARA NÓS, QUE SOMOS JOVENS."  Referindo-se aos modismos mentais da época, acusa: "QUEM ME DEU A IDEIA DE UMA NOVA CONSCIÊNCIA ESTÁ EM CASA, GUARDADO POR DEUS, CONTANDO O VIL METAL."

É um imenso pessimismo, coerente com a situação  no início da década de 1970. Mas não é uma derrota absoluta. É preciso querer enxergar a mudança: quem  ama o passado" (...) "não vê que o novo sempre vem."    

Em 1996, numa entrevista a jornalista Claudia Nocchi,  Belchior  colocou-se como devedor de "uma corrente de pensamentos que nasceu nos sessenta." O radicalismo residia aí. Falou de uma geração que quis " MUDAR O MUNDO, SE DESESPEROU, PERDEU, SE DECEPCIONOU".  A seguir reforçou: "é só o que me interessa." Quando a jornalista quis saber se ele não se arrependia por ter abandonado o curso de Medicina, decisão que provocou uma compreensível reviravolta na casa dos país, Belchior deu uma resposta figurada que também pode ser aplicada a outros temas: "neste cinema você desempenha o papel que lhe cabe."


Numa  época em que a vida privada é prato de consumo  e ajuda a reproduzir o mundo como  mercadoria, Belchior fazia um esforço imenso para ser o diretor, estrela e protagonista de seu próprio filme. Protegendo a vida privada com cuidados extremos, portava-se como trovadores à moda antiga, onde a pessoa real era confundida com lendas construídas a sua volta. Uma vez, disse claramente que sua pessoa era "MENOS IMPORTANTE DO QUE O PERSONAGEM QUE, ACIDENTALMENTE, PODE SER EU." Em outra oportunidade, falou de uma "espécie de biografia de um personagem de minha geração com o qual me identifico." Sempre em ambiente de certo mistério, jamais permitiu que seus casamentos, seus filhos, os hábitos de consumo, se tornassem assunto de domínio público no parque de diversos com homens e mulheres da indústria cultural. Estes cuidados ajudam a entender como um rosto conhecido e uma voz inconfundível puderam desaparecer de uma vez por todas por tanto tempo, levando consigo as razões para um gesto tão extremo.

BELCHIOR FARIA TUDO OUTRA VEZ!!!



AO FAZER UMA AUTOANÁLISE, CONSIDEROU-SE APENAS UM RAPAZ LATINO AMERICANO E, AO OLHAR SUA FOTOGRAFIA 3×4, IMEDIATAMENTE TRAÇOU UM PEQUENO PERFIL DE UM CIDADÃO COMUM. DESTA FORMA, PERCEBEU QUE VIVIA A PALO SECO E SENTIU FOME, POIS JÁ ESTAVA NA HORA DO ALMOÇO. ALMOÇOU, E APÓS FAZER UM BREVE COMENTÁRIO A RESPEITO DE JONH, RIU, EM SEGUIDA, VESTIU A SUA VELHA ROUPA COLORIDA E PARTIU PARA A BALADA DE MADAME FRIGIDAIRE.

Jandeilmo Cleidson


Ao se espremer entre homo sapiens no transporte coletivo no qual embarcara, concluiu que A VIDA NÃO PASSAVA DE UMA DIVINA COMÉDIA HUMANA, todavia era preciso manter as aparências. No caminho,  presenciou um caso comum de trânsito, onde uma pessoa gritava enfurecida: SAIA DO MEU CAMINHO! Ignorou e, como não era com ele, julgou-se um sujeito de sorte. De modo disfarçado, riu novamente ao olhar o semblante dos ocupantes da condução lotada na qual entrara há quase meia hora, ao perceber que cada um se considerava um ser de primeira grandeza. A ansiedade para vê-la o fizera chegar cedo ao local combinado, observou o ambiente, que parecia ter sido todo projetado através de esquadros e, enquanto um baihuno servia-lhe aquele drink barato, lembrou-se do conselho dado pelo seu velho amigo quando fora encontrá-la a primeira vez: “NÃO LEVE FLORES!”.   As pessoas começaram a chegar e, repentinamente, do meio do populus, como uma ALUCINAÇÃO, ela surgiu! Estava brasileiramente linda, como o diabo gosta. Ofereceu-lhe um drink, e ficou um tempo apenas apreciando-a. Ao lado dela, não notava as horas passarem, mesmo assim, fez mentalmente um pequeno mapa do tempo e lembrou-se da viagem a sua terra que os dois fariam naquela madrugada. De lá mesmo tomaram um táxi para o aeroporto, ao entrar no carro o taxista, não se conteve e riu daquele sujeito esquisito, TODO SUJO DE BATON. Embarcaram com 10 minutos de atraso e, na hora da decolagem, segurou firme na mão dela, pois nunca escondera de ninguém o seu MEDO DE AVIÃO. Durante a viagem conversaram sobre diversas coisas e, ao ser indagado se aquela viagem havia sido uma boa ideia, respondeu:  – Conheço meu lugar! Relembrou os GALOS, NOITES E QUINTAIS, e de uma terrível seca, quando houve um verdadeiro clamor no deserto por parte do seu povo. Quando ela perguntou a opinião dele acerca das transformações sociais que estavam ocorrendo, respondeu: – A SOCIEDADE PODE ATÉ MUDAR, MAS A ESSÊNCIA DAS PESSOAS PERMANECE INTACTA, AINDA VIVEMOS COMO NOSSOS PAIS. Sobre se havia arrependimento por algo que fizera, afirmou sem pestanejar que se tivesse oportunidade, FARIA TUDO OUTRA VEZ. O tempo passou, ele viveu o auge, o esquecimento, sumiu, reapareceu… Mas o anjo do Senhor (de quem nos fala o Livro Santo) desceu do céu pra uma cerveja, junto dele, no seu canto e a morte o carregou, feito um pacote, no seu manto…  Que a terra lhe seja leve! Os verdadeiros não morrem, sua memória se eterniza por meio das suas obras.  Belchior é um desses!

VELÓRIO DE BELCHIOR TEM CORTEJO E BANDA TOCANDO SUAS MÚSICAS


O corpo de Belchior, morto aos 70 anos neste domingo (30), em decorrência de um rompimento da aorta, foi velado no Theatro São João, em Sobral (CE), terra natal do cantor, na manhã desta segunda-feira (1º). À tarde, o corpo seguiu para outro velório, em Fortaleza.

O avião que fez o traslado do corpo de Belchior de Porto Alegre para Sobral, a 232 km de Fortaleza, aterrissou na cidade cearense às 7h40. Estavam no voo a viúva de Belchior, Edna Prometeu, e duas irmãs do compositor, Lília e Angela, além de alguns sobrinhos. Do aeroporto, o caixão seguiu em cortejo pelas ruas de Sobral em um carro do corpo de bombeiros até o teatro.

Na chegada ao teatro, a banda da cidade tocou "Apenas Um Rapaz Latino-Americano". E, durante todo o velório, estão sendo executadas canções do compositor na cerimônia aberta ao público.

Angela Belchior disse ao jornal "Diário do Nordeste" que a morte do irmão, que vivia em Santa Cruz do Sul (RS), a 150 km de Porto Alegre, pegou a todos de surpresa. "Apesar dos anos sem rever os parentes, nós nos amávamos. E escolhemos tê-lo nesse último momento em sua cidade, que é Sobral. Depois seguiremos para Fortaleza onde meu irmão será velado novamente e sepultado junto dos nossos pais", falou.
Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, conhecido como Belchior, despontou nos anos 1970 com álbuns como "Alucinação" (1976), que trazia os clássicos "Apenas um Rapaz Latino-Americano", "Velha Roupa Colorida" e "Como Nossos Pais" -que ficou conhecida na voz da cantora Elis Regina.

Nascido em Sobral, no Ceará, em 26 de outubro de 1946, Belchior estudou medicina em Fortaleza, mas abandonou o curso antes de se formar para se dedicar a vida de músico.

Entre 1965 e 1970, tocou em festivais de música no Nordeste e, em 1971, venceu o IV Festival Universitário da MPB com a canção "Na Hora do Almoço", cantada por Jorge Melo e Jorge Teles.

Foi nos anos 1970 que o compositor consolidou sua discografia, sempre com letras que se aproximam das artes, da filosofia e da literatura. "Mote e Glosa" (1974), seu disco de estreia, é o cartão de visitas do projeto musical de Belchior. O trabalho contém canções como a que dá título ao álbum, além de "A Palo Seco" e "Todo Sujo de Batom".

Dois anos depois, ele lança "Alucinação", álbum que marca a sua carreira e que o firmou como grande revelação da MPB. Nele, estão clássicos como "Apenas um Rapaz Latino Americano", "Como Nossos Pais", "Velha Roupa Colorida" e "Sujeito de Sorte".

Sucesso popular e de crítica, o músico chegou a lançar mais álbuns, entre eles "Coração Selvagem" (1977), "Era Uma Vez um Homem e o Seu Tempo" (1979), "Cenas do Próximo Capítulo" (1984), "Elogio da Loucura" (1988) e "Baihuno" (1993), que consolida as principais ideias que o músico teve em sua carreira.

ADEUS A BELCHIOR

Veja abaixo a repercussão da morte de Belchior.

"Foi uma notícia que tive hoje pela manhã ao despertar, sem saber se era verdade ou não, mas agora já está confirmado.

Nós nos encontramos no colégio Liceu do Ceará. Ele era um menino do sertão que tinha chegado na cidade e sabia latim como ninguém, conhecia todos os detalhes da bíblia e lia romances.

Eu encontrei ele depois em 1968, quando eu era do movimento estudantil e ele estava fazendo música. Eu era do grupo, mas só frequentava o bar. Não tinha manifesto, eram pessoas individualmente talentosas e ele apareceu e foi o primeiro letrista.

A nossa amizade passou desde o colégio até o desaparecimento dele, quando ele desertou da cidade. Ele ia em casa e a gente ria muito. Com ele as minhas conversas eram para rir muito. É isso, ele era uma figura, um cara brilhante", comenta o compositor Fausto Nilo, parceiro de Belchior.

"O Fausto Nilo me ligou pela manhã e deu a notícia. Realmente lamento pelo grande poeta, era um artista único, representa muito para mim, que fui um dos responsáveis por trazê-lo para o Rio. Temos uma música muito importante, que era 'Mucuripe', canção importante para nós e para o nosso Estado", disse Fagner à reportagem.

"Logo que eu comecei a compor, no Ceará, tivemos um momento muito bom. Ele era um cara muito respeitado, três anos mais velho do que eu. Quando eu comecei a minha carreira, ele já era uma referência", acrescenta.

"Nós não éramos grandes amigos, nos víamos muito pouco, então tinha uma distância. Com o sumiço, ficou meio complicado. Todo mundo me perguntava muito. Pelo nosso trabalho, as pessoas achavam que a gente era muito próprio. Ele já tinha sumido, então já tínhamos pouca esperança de revê-lo.". Belchior está sendo velado em Sobral e seu enterro será em Fortaleza. (Folhapress)


segunda-feira, 1 de maio de 2017

BELCHIOR DISSE O TEMPO TODO QUE ALGO NÃO IA BEM



Júlio Maria

Belchior deixou sempre muito evidente que estava sofrendo. Uma angústia representada em suas letras e em seu comportamento, mesmo quando a carreira atingia o que poderia considerar picos de sucesso. Caetano, Gil, Zé Ramalho, Fagner, Djavan, Tom Zé, Milton Nascimento, Dominguinhos. De todos os emigrantes que procuraram as 'mecas' Rio-São Paulo para serem alguém de 1960 para 1970, Belchior foi o único que sentiria um impacto emocional irreversível. A selvageria mercantilista, para ele, era um mal a ser combatido e ele, logo ele, acabaria também vendido a ela no momento em que assinasse com uma grande gravadora.

Na gênese de Belchior, a quem os mais próximos chamavam de Bel, não está a música, mas a filosofia. Enquanto o samba-jazz ainda fervia no Beco das Garrafas, no Rio de Janeiro, e Tom Jobim, João Gilberto, Carlos Lira e Luiz Bonfá davam adeus à primeira fase da Bossa Nova com um espetáculo no Carnegie Hall, de Nova York, Belchior lia Sócrates e Platão no curso de Filosofia na universidade em Fortaleza. Sua vida acadêmica ainda passaria pela Medicina antes de ser abandonada, assim que a turma de conterrâneos que tinha Fagner e Ednardo, conhecida depois como Pessoal do Ceará, cruzasse seu caminho.

Bel era considerado o estranho, o fechado, o imprevisível. Metódico, preferia ler a sair com amigos e tinha uma relação de distanciamento com o dinheiro, principalmente quando alguma nota deveria sair da própria carteira. Devia de quantias irrisórias que pedia emprestado a amigos ou que precisava pagar ao pedreiro a grandes volumes, como as contas dos dois automóveis que abandonou em São Paulo, um deles, no estacionamento do Aeroporto de Congonhas.

Belchior cansou, e seria redutor imaginar que desapareceu nos últimos dez anos para fugir das dívidas. Se assim fosse, teria aceitado oferta de empresários que quiseram pagar suas contas para que ele voltasse aos palcos. Ou aceitado a proposta vultosa de uma montadora de carros que o queria como garoto propaganda dizendo, ao volante, algo como "com um carro desses, até eu volto". Era melhor viver de favores em um asilo, escondido no interior do País.

O único artista que pratica o auto-exílio na história da música brasileira, fugindo de si mesmo, de um personagem que não aceita mais, era um angustiado, como fez questão de cantar muitas vezes. A palavra "medo" era recorrente em sua obra, principalmente desde o irretocável Alucinação, de 1976.

Ao saber de sua partida, o pesquisador Zuza Homem de Mello faz questão de ligar para a reportagem para dizer o que sente sobre Belchior: "Ele foi um dos mais cultos artistas da MPB. Possuía uma importância extraordinária no pop sobretudo pela canção 'Como Nossos Pais'. Aquilo foi uma revelação, e ele colocou o tema de maneira extraordinária. Elis Regina teve a percepção disso ao escolher a música para lançá-la no Falso Brilhante."

Mas Belchior preferiu a distância do passado. Mesmo ovacionado por novas gerações de músicos, tranca-se e passa a dedicar-se a projetos solitários, como a tradução dos 14.230 versos da Divina Comédia, de Dante Alighieri para a linguagem popular, um projeto que nunca concluiria





VIVA O CANTO TORTO!!!




Magno Martins
Que dor profunda senti, ontem, com a confirmação da morte do cantor cearense Belchior, um dos meus ídolos da MPB, parte inesquecível da minha juventude, um pedaço arrancado do meu coração. Eu sou um rapaz latino-americano e como Belchior, que tinha um canto torto, o meu verso é torto, mas tem muito amor, o amor que brotava da sua voz inconfundível.
Fiquei engasgado. Belchior se confunde com a minha geração. Sua voz, seu violão, o banquinho, suas canções derramando amor em cada frase, em cada refrão. Até o seu bigode compunha um figurino bonito, dele próprio, com aquela cara de louco, mas que de loucura só tinha o pensamento no infinito amor, o amor que incendiou minha geração, a geração pós-jovem guarda.
Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes veio lá de Sobral, chão abençoado do Nordeste, celeiro de poetas, cantadores, amantes da noite, da lua, que inspira a música e embala seus feitores. Belchior foi criado no mato, ouvindo vários cantos: o canto do aboio, o canto do vaqueiro, o canto dos repentistas e dos emboladores. Acordava ouvindo o canto do galo. Daí, a sua melodia ser uma mistura de tantos cantos, que aos poucos encantou o País e depois o mundo.
Quem melhor definiu suas proezas musicais, seu talento, foi o cantor Guilherme Arantes: “Belchior, que eu não canso de homenagear de todas as maneiras, foi e sempre será o melhor letrista de canções transformadoras que já existiu”. O canto torto cearense, de tantos desencontros na vida, gravou grandes sucessos.
Curti todos em shows, discos DVDs, em todos os canais possíveis. Velha Roupa Colorida, Apenas um Rapaz Latino-Americano e Como Nossos Pais, esta eternizada na voz de Elis Regina. Meu ídolo foi um dos primeiros cantores de MPB do Nordeste a conseguir destaque nacional, ainda nos anos 1970.
Cantava fazendo poesia. Estava mais angustiado que um goleiro na hora do gol, diz uma das suas melodias. Quando você entrou em mim como um Sol no quintal, embalou em outra canção. Outra bela poesia em forma musical, um de seus maiores sucessos: "As velas do Mucuripe/ Vão sair para pescar/Vou levar as minhas mágoas/Prás águas fundas do mar/Hoje a noite namorar/Sem ter medo da saudade/Sem vontade de casar".
Aprendi mais de filosofia escutando Belchior do que com qualquer livro. A música dele permite um aprendizado que não é mensurado em nota. Para mim, Belchior não morreu. Ele só terminou de dizer tudo o que queria.
"Eu quero é que esse canto torto/Feito faca corte a carne de vocês". Viva Belchior! Dos grandes! Minha dor, como cantou ele, é perceber que, apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos.
Para encerrar, Como nossos pais, umas das melhores dele:
“Não quero lhe falar/Meu grande amor/Das coisas que aprendi/Nos discos/Quero lhe contar como eu vivi/E tudo o que aconteceu comigo/Viver é melhor que sonhar/Eu sei que o amor/É uma coisa boa/Mas também sei/Que qualquer canto/É menor do que a vida/De qualquer pessoa/Por isso cuidado, meu bem/Há perigo na esquina”.
Viva Belchior!
Como é perversa a juventude do meu coração, que só entende o que é cruel, o que é paixão.





A CHEGADA DE ANTÔNIO CARLOS BELCHIOR NO CÉU



Por Roberto Almeida

Belchior chegou no céu num dia 30 de abril. Há anos estava cansado de andar com os pés cheios de poeira, tinha esquecido o coração selvagem, resolvera os problemas de alucinação,  e agora ansiava por viver tudo outra vez.

Longe de casa, a sua simpática Sobral, no Ceará, resolveu partir desta para outra no interior do Rio Grande do Sul, terra de Elis Regina, que tornou conhecida no Brasil inteiro umas de suas melhores canções, “Como Nossos Pais”.

Poeta, compositor inspirado, cidadão consciente, o artista cearense por certo andava desiludido da vida, ainda mais com tantas turbulências no país chamado Brasil.

Tudo tem sua hora e um dia todos temos que dar adeus à divina comédia humana.

Assim fez o artista, que nunca envelhece, como nos ensinou outro poeta, este da Bahia.

E num dia nublado, cinzento, não apropriado para entusiasmos exacerbados, Antônio Carlos chegou ao céu depois de viver o seu tempo na terra, em meio a secas, jogos de futebol, oportunismos políticos, missas nas igrejas e formigas trafegando sem porquê, enquanto o sangue ainda jorra nos jornais.

Tão logo chegou ao paraíso, um lugar totalmente diferente deste, do lado de cá, Antônio Carlos Belchior foi recepcionado por um coral de anjos e levado ao grande salão de artes do céu.

Talvez por que tenha partido a menos de oito dias, Jerry Adriani foi o primeiro com quem o cearense deu de cara no imenso salão celestial.

Dois estilos diferentes, duas vertentes diferentes da música popular brasileira, nem por isso os dois cantores deixaram de expressar a alegria do encontro e se abraçaram com emoção.

Jerry com aquele sorriso cativante, Belchior com a expressão séria que o caracterizou em vida, sem que os olhos conseguissem esconder que no fundo da alma era apenas um cidadão comum, um sujeito bonachão.

Se o ídolo da Jovem Guarda não era tão da sua turma, o mesmo não se pode dizer de Raul Seixas, que veio logo a seguir e embora tenha feito parcerias com Adriani, quando viveram a existência terrena, filosoficamente estava mais próximo do homem nascido em Sobral.

Raul reinventou a música popular brasileira, com seu “Ouro de Tolo” e foi um dos poucos artistas que teve a coragem de fazer um canto para sua própria morte. “Que venha vestida de cetim, com a sua mais bela roupa”, disse ele na surpreendente canção.

Não há dúvida que o maluco beleza foi um místico, lunático às vezes, que passou por todas as religiões, porém sem deixar de iluminar os céus com sua cabeça privilegiada, o coração noturno e a procura de Deus em todas as coisas.

Belchior, mas pé no chão, fez música sobre a hora do almoço e cantou até os exilados, que em sua época de pop star tiveram que sair do país e foram sofrer na França, sentindo frio e saudades da América do Sul.

Foi singular o encontro do cearense e do baiano e eles se entenderam como irmãos, ficando logo claro que no céu seriam grandes parceiros,  para toda a eternidade.

Aí chegou Gonzaguinha, ao lado do pai, e os dois lembraram do tempo em que não faziam outra coisa senão viajar e viajar pelo imenso brasilis.

Provavelmente por ter morrido no Rio Grande do Sul, não demorou muito Antônio Carlos se deparou com o escritor Érico Veríssimo, autor de O Tempo e o Vento, Caminhos Cruzados, Noite, O Resto é Silêncio e tantos outros livros que encantaram a vida do cantor na sua adolescência.

Belchior aproveitou para confessar ao escritor que era seu fã, enquanto este disse que gostava muito de suas composições, pelas suas preocupações metafísicas e seu viés escancaradamente humanista.

“Acho que nos identificamos. Meu trabalho na literatura e o seu na música se encontram nas paralelas”, comentou o Veríssimo.

Gonzagão perguntou pelo Fagner, com quem fez alguns duetos maravilhosos na vida puramente física e Gonzaguinha, bem leve, comentou que o céu ganhava muito com a chegada de Belchior, garantindo que por certo até Jesus ia ficar radiante perante o reforço do time da MPB no paraíso.

Quando chegou a Elis Regina o autor de Mucuripe não conseguiu conter as lágrimas. A “Pimentinha” estava do mesmo jeito, sorridente e com a mesma voz de brilhante que conquistou o Brasil nos anos 70.

Quase não conseguiram se desgrudar, após fortes abraços e beijos, contudo chegavam outros e outras que partiram bem antes e Belchior não queria discriminar ninguém, convencido de que o céu não tem espaço para preconceitos.

Assim, saudou com carinho o Jessé, este cantarolando “Porto e Solidão”, interrompido, no entanto por Cássia Eller, ela ainda parecendo uma garotinha.

Reginaldo Rossi,  Paulo Sérgio, Leandro e Evaldo Braga chegaram abraçados, o primeiro vestindo não se sabe por que uma roupa de garçom, enquanto o segundo, sussurrando, soltava as primeiras estrofes da última canção.

Os da velha geração também apareceram e Belchior sentiu-se feliz ao ver que estava na companhia de Silvio Caldas, Eliseth Cardoso, Noel Rosa, Ataulfo Alves, Pixinguinha, Francisco Alves e Orlando Silva.

“Quanta gente boa, meu Deus!”, soltou o compositor, ainda mais que não mais que de repente Clara Nunes, Vander Lee, Cazuza e Renato Russo também vieram lhe abraçar.

Chico Anísio veio contando piadas, fazendo tipo e o clima ficou ainda mais descontraído pela entrada em cena dos meninos traquinos do grupo Mamonas Assassinas.

Foi um desfilar de artistas que não acaba mais e tudo era alegria, festa, comemoração.

Mesmo os santos, como Francisco de Assis, pareciam estar de bem com a vida eterna, bem humorados... E todos contribuíram para que a tristeza não encontrasse guarida, a saudade fosse guardada num matulão emprestado por Marinês e Jackson do Pandeiro, num clima verdadeiramente amistoso que irmanou cada um deles, vivendo numa intensidade até então desconhecida, num lugar sem espaço para a tristeza e a dor. E que era possível cantar sem riscos, com público garantido e uma gente educada aplaudindo sem parar.

Tudo lindo, divino, maravilhoso e melhor ainda porque agora seria pra sempre. Nunca, nunca ia acabar.

“Saia do meu caminho, eu prefiro andar sozinho, deixe que eu decido a minha vida...”


Salve Belchior!

*A maioria das frases e expressões aspeadas ou em itálico se referem a títulos ou versos de canções de alguns dos artistas citados.

* - A imagem não faz parte do texto original.

THANK YOU BELCHIOR!!!





Este texto foi publicado há três anos, por Paulo Nogueira,  e então leio que artistas fizeram uma homenagem a Belchior, o gênio perdido da música brasileira. Fico estranhamente tocado, ou não estranhamente. BELCHIOR FOI O ÚLTIMO ÍDOLO QUE EU TIVE NA MÚSICA. Eu era um adolescente quando Elis consagrou músicas de Belchior como Velha Roupa Colorida e Como Nossos Pais. Eu simplesmente amava Belchior, com sua voz anasalada e melancólica, suas melodias tristes embaladas em letras longas e poéticas. Achava que Belchior ia durar muito, fazer muitas coisas, mas ele foi minguando, e minguando, como se uma dose excepcional de talento e inovação tivesse se comprimido em um ou dois discos apenas. (Mas que discos, Deus.) Eu próprio acabaria por abandoná-lo, não totalmente, é verdade. Não mudo de estação quando, o que é raro, toca Belchior no rádio. E quando apanho o violão sempre existe a possibilidade de eu tocar alguma coisa de Belchior, como TODO SUJO DE BATOM, minha predileta. (Sempre me vi no “CARA TÃO SENTIMENTAL” da música.) A homenagem a Belchior, idealizada pelo jornalista Jorge Wagner, está disponível na internet, e então fico ouvindo as canções. Gosto muito da versão de Todo Sujo de Batom, com guitarra pesada, meio punk, da banda The Baggios. Uma interpretação original, mas que ao mesmo tempo preservou a alma da pequena obra prima de Belchior. Mas é em Paralelas que meu coração dispara. Porque nela me encontro com minha mãe. Mamãe gostava que eu tocasse e cantasse para ela. Acho que foi minha única fã como músico, a única pessoa que se interessava genuinamente por me ouvir. Ah, os ouvidos generosos das mães. Algumas de minhas melhores lembranças de mamãe estão ligadas às músicas que cantávamos juntos. Mesmo em Londres, quando mamãe já estava em seus últimos dias, com enormes dificuldades em falar ao telefone, eu cantava para ela a 10 mil km de distância, mas por algum milagre no mesmo espaço naqueles momentos que duravam as músicas. Paralelas era a favorita de mamãe. Sua passagem preferida era a que dizia: “NO CORCOVADO QUEM ABRE OS BRAÇOS SOU EU.” É, de fato, uma passagem linda, lírica, um instante de absoluta inspiração de Belchior. Numa pergunta que fiz numa entrevista com Paul McCartney em Londres, abri com o seguinte introito: “Primeiro de tudo, muito obrigado por tantas coisas boas que você me trouxe.” (Depois perguntei qual música sua ele gostaria que John cantasse, e ele respondeu Maybe I’m Amazed.) Se um dia eu entrevistar Belchior, vou abrir com a mesma frase. Um agradecimento. Ele preencheu meu mundo jovem com um punhado de canções que me fizeram refletir, rir, chorar. E principalmente ajudou numa conexão que me é tão cara, com minha mãe, a quem neste momento eu pediria colo caso ela estivesse por perto.