sexta-feira, 23 de outubro de 2009

DA METAMORFOSE À RENDIÇÃO

De Clóvis Rossi:

Que Luiz Inácio Lula da Silva foi, a partir de sua vitória de 2002, uma "metamorfose ambulante", nem precisava que ele próprio o dissesse. Os fatos falavam alto e claro. O triste, como revela a entrevista que ele concedeu a Kennedy Alencar desta Folha, é que Lula passou da metamorfose à rendição a uma realidade política horrorosa.
Disse Lula: "Qualquer um que ganhar as eleições, pode ser o maior xiita deste país ou o maior direitista, ele não conseguirá montar o governo fora da realidade política. Entre o que se quer e o que se pode fazer tem uma diferença do tamanho do oceano Atlântico. Quem ganhar a Presidência amanhã, terá de fazer quase a mesma composição, porque este é o espectro político brasileiro". O presidente ainda acrescentou: "Se Jesus Cristo viesse para cá, e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão".
Se Frei Betto, o confessor ou ex-confessor de Lula, tivesse ensinado seu amigo direitinho, o presidente aprenderia que Cristo foi crucificado justamente porque não fez coalizão com os judas da vida.
Que Lula tivesse obsessão com a governabilidade até dá para entender. Que desista de ao menos tentar reformar a "realidade política" é um irremediável desastre. Só para qualificar o que é essa realidade: a Fundação Konrad Adenauer, ligada à democracia-cristã alemã, divulgou há dez dias o índice de desenvolvimento político da América Latina.
O Brasil consegue a proeza de ficar só no 8º lugar entre os 18 países listados. E estamos falando de América Latina, que é essa mixórdia arquiconhecida.
Tudo somado, dá para entender por que o presidente prefere que a imprensa não fiscalize o poder, apenas informe. Lula e seu partido trocaram a fiscalização do tempo de oposição pelo gozo do poder uma vez nele instalados.
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“NO BRASIL, JESUS TERIA QUE SE ALIAR A JUDAS", DIZ LULA

De Kennedy Alencar:

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva diz que até "Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão" se fosse eleito para governar o Brasil. Na primeira entrevista à Folha após dois anos, declara que "a transferência de voto não é como passe de mágica". Diz, porém, que se empenhará em transferir o seu prestígio e o do governo para a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, sua candidata. Nega que a eleição dela fosse equivaler a um terceiro mandato. "A Dilma no governo tem de criar a cara dela. Rei morto, rei posto." Lula afirma ser "debate pequeno" a declaração do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes, de que faz comícios pró-Dilma em viagens pelo país. Novamente de dieta para emagrecer, diz que apoiou a manutenção no cargo do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), por "segurança institucional". Segundo Lula, a oposição ia "fazer um inferno neste país".
FOLHA - Por que o sr. escolheu Dilma como candidata, cristã nova no PT que nunca disputou eleição, sem fazer discussão no partido?
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA - Não estava em debate quem era PT mais puro-sangue, menos puro-sangue. Era questão de viabilidade política. Dilma é a mais competente gerente que o Estado já teve. A capacidade de trabalho, a competência, o passado político e o presente, isso me faz garantir que é excepcional candidata.
FOLHA - Esse argumento não é muito tucano? O sr. nunca havia sido gestor, virou presidente e faz um governo bem avaliado.
LULA - Não é tucano, não. Além de gestora, é extraordinário quadro político.
FOLHA - Ciro disse que o sr. e FHC foram tolerantes com o patrimonialismo para fazer aliança no Congresso. Ou seja, aceitaram a prática de usar bens públicos como privados.
LULA - Qualquer um que ganhar as eleições, pode ser o maior xiita deste país ou o maior direitista, não conseguirá montar o governo fora da realidade política. Entre o que se quer e o que se pode fazer tem uma diferença do tamanho do oceano Atlântico. Se Jesus Cristo viesse para cá, e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão.
FOLHA - É o que explica o sr. ter reatado com Collor, apesar do jogo baixo na campanha de 1989?
LULA - Minha relação com o Collor é a de um presidente com um senador da base.
FOLHA - Dá aperto no peito?
LULA - Não tenho razão para carregar mágoa ou ressentimento. Quando o cidadão tem mágoa, só ele sofre. Quando se chega à Presidência, a responsabilidade nas suas costas é de tal envergadura que você não tem o direito de ser pequeno.

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